quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Perdoando Deus







Perdoando Deus

Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.
Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso “fosse mesmo” o que eu sentia – e não possivelmente um equívoco de sentimento – que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.
E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.
Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais.
Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar – não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele – mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação.
… mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que “Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
Clarice Lispector em Felicidade Clandestina

sábado, 7 de abril de 2012

Billie Holiday - 07 de abril de 1915 # 17 de julho de 1959





"Billie teve uma vida de cão, e não dos mais sortudos. Violentada aos dez anos e internada numa casa de correção, aos 12 era faxineira dos mais sórdidos puteiros de Baltimore. Prostituta aos 14, alcóolatra e viciada em heroína, apanhou e foi roubada por seus sucessivos maridos. Sofreu o que pode até sua morte, aos 44 anos.
Em troca de tanta dor, deixou ao mundo uma obra de raríssima beleza. Billie Holiday é uma força da natureza, uma das maiores artistas da história da humanidade ... Sua interpretação tem, ao mesmo tempo, a leveza de um suspiro e a precisão de um punhal. Corta fundo e assopra, mata e cura. Melhor que o silêncio, só Billie Holiday" Jorge Furtado

sábado, 31 de março de 2012

Oásis de Bethânia



Ouvir em:
http://www.radio.uol.com.br/#/busca/volume/oasis de bethania


Oásis de Bethânia (2012)
1. Lágrima (Orlando Silva)
2. O Velho Francisco (Chico Buarque) Participação de Lenine
3. Vive (Djavan)Participação de Djavan
4. Casablanca (Roque Ferreira)
5. Calmaria (Jota Velloso) / Não Sei Quantas Almas Tenho (Fernando Pessoa)
6. Fado (Roque Ferreira)
7. Barulho (Roque Ferreira)
8. Lágrima (Sebastião Nunes, José Garcia e José Gomes Filho)/
Calúnia (Marino Pinto e Paulo Soledad)
9. Carta de Amor (Paulo César Pinheiro)
10. Salmo (Raphael Rabello e Paulo César Pinheiro)
Letras das músicas:
1. Lágrima (Orlando Silva)
Ai, deixa-me chorar
Para suavizar
O que eu não sei dizer
Mas sei sentir
Não prantear um amor que se perdeu
É a nossa alma enganar
E ao próprio coração querer mentir
Rir é quase iludir
É querer forçar
O próprio coração
A gargalhar
Quando ele está solitário na dor
A soluçar de amor
É mais sublime
A lágrima que exprime
As nossas emoções
Amenizando
A alma cheia de ilusões
Do que sorrir
Para esconder a mágoa
Que o olhar não diz
Não há ninguém feliz
Quero fazer das lágrimas que choro
Estrelas a brilhar
Rosas de cristal
Do pranto emocional
Mas se ela voltar
Pungente diadema
Então lhe ofertarei
Do pranto que eu chorei
Sim, quem nunca chorou
Certo nunca amou
Talvez nem alma tenha para sentir
Não me faz inveja esse prazer
É gosto até de padecer
Chorar e a mágoa em pérolas diluir
Mas quem quiser amar
Certo de há de chorar
Há de sentir morrer o coração
Porque o amor sendo belo falaz
Comos os ais
Se desfaz em ilusão
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2. O Velho Francisco (Chico Buarque) Participação de Lenine
Já gozei de boa vida
Tinha até meu bangalô
Cobertor, comida
Roupa lavada
Vida veio e me levou
Fui eu mesmo alforriado
Pela mão do Imperador
Tive terra, arado
Cavalo e brida
Vida veio e me levou
Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor
Quem me vê, vê nem bagaço
Do que viu quem me enfrentou
Campeão do mundo
Em queda de braço
Vida veio e me levou
Li jornal, bula e prefácio
Que aprendi sem professor
Freqüentei palácio
Sem fazer feio
Vida veio e me levou
Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor
Eu gerei dezoito filhas
Me tornei navegador
Vice-rei das ilhas
Da Caraíba
Vida veio e me levou
Fechei negócio da China
Desbravei o interior
Possuí mina
De prata, jazida
Vida veio e me levou
Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Hoje não deram almoço, né
Acho que o moço até
Nem me lavou
Acho que fui deputado
Acho que tudo acabou
Quase que
Já não me lembro de nada
Vida veio e me levou
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Mandei, caiá meu sobrado
Mandei, mandei, mandei
Mandei caiá de amarelo
Caiei, caiei, caiei!
Amarelo que lembra dourado
Dourado, que é meu berimbau
Dourado, de cordão de ouro
Besouro, Besouro, Besouro
Pra quem nunca ouviu falar
Pra aqueles que dizem: é lenda!
Pois saibam que Besouro preto
Viveu, viveu e morreu!
Pras bandas de Maracangalha,
Sem temer a inimigo nenhum
Não valeu, seu corpo fechado
Pras facas de aticum!
Mas mesmo depois de morto
Entre uma e outra cantiga
Besouro vai sempre viver
Enquanto existir mandinga!
Mandei, caiá meu sobrado
Mandei, mandei, mandei
Mandei caiá de amarelo
Caiei, caiei, caiei!

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3. Vive (Djavan) Participação de Djavan
É inútil, chorar, noites inteiras
Ruir, por nada, assim
A minha vida, é sua
Como marinheira
Sofrer, não há, porque
Desencana meu amor
tudo seu é muita dor
Vive
Deixa o tempo resolver
o que tem que acontecer
Livre
Tanto que eu sonhei
Nos amar, a pleno, vapor
Tanto que eu quis
Fazê-la estrela da sagração de um ser feliz
Desinflama meu amor
do seu jeito é muita dor
Vive
Deixa o tempo resolver
Se tiver que acontecer
Vive
Desencana meu amor
Tudo seu é muita dor
Vive
Deixa o tempo resolver
o que tem que acontecer
Livre
La la la laia laia la la la hum hum hum huhummm

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4. Casablanca (Roque Ferreira)
Era um bar
era uma lua de champanhe no mar
uma cantiga de carinho a tocar
nas noites de verão
sinto saudade da gente
se amando contente
do mundo invejar
Eu quero a festa
e as luzes e cores
que você trazia no céu do olhar.
era sonhar, em preto e branco no cinema:
será que Casablanca ainda vai passar?
Acho que vou chorar…

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5. Calmaria (Jota Velloso) / Não Sei Quantas Almas Tenho (Fernando Pessoa)
Ê calmaria
melancolia que devora
tempo espicha
o segundo vira hora
Ê calmaria
traz a mágoa e vai-se embora
Quem quer singrar os mares
Sem passar por tempestades
É melhor fincar n’areia
O barco a vela, a vontade
Quem teme a escuridão
Nem cresce ver o brilho
passeando no arco da amplidao
Ê calmaria
Vento vem e leva embora
Meu Deus não me livre disso
não me livre disso, não me livre disso,
Desse risco de tristeza,
desse amor feito por isso
desse rasgo de beleza
Sempre a beira do abismo
Ê calmaria
Vento vem e leva embora
Ê calmaria
Vento vem e leva embora
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(recortes de poesias de Fernando Pessoa)
“Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem olhei.
De tanto ser, só tenho alma.
Às vezes sou o Deus que trago em mim
E então eu sou o Deus, o crente e a prece
E a imagem de marfim
Em que esse Deus se esquece.
Às vezes não sou mais que um ateu
O mundo rui a meu redor, escombro a escombro.
Os meus sentidos oscilam, bandeira rota ao vento.
E esse é todo o sentido da minha vida”

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6. Fado (Roque Ferreira)
Por quem tu te consomes, coração?
E somes nessas águas de arrebentação
Rolando ao sal dos sonhos
Vai arrastando dores
Inaugurando mares
Com teu pranto de amores
Por quem te enclausuras
Na força das marés
E cantas sem ternura
A luz dos cabarés
Por quem tu te desvelas, coração
E levanta as velas, vais na ventania
Sabendo do naufrágio que o tempo anuncia
Preferes a procela à paz da calmaria
Que anjo dissoluto põe tua embarcação
Na fúria dessas águas
Longe da ilação

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7. Barulho (Roque Ferreira)
Fazendo tanto barulho
Você vai acordar meu orgulho
Que tanto dorme por nós
Tudo relevo e tolero
Mas já falei
‘Eu não quero que me levante a voz’
Apesar das divergências
Com todas as disavenças
A gente não separou
Porque meus olhos fechei
E sem rancor, perdoei
Os seus crimes de amor
Pode mentir à vontade
Eu sei que fidelidade
Não é seu forte afinal
E mesmo que eu quisesse
Ainda que eu pudesse
Não ia fazer igual
Porque só beijo quem amo
Só abraço quem gosto
Só me dou por paixão
Eu só sei amar direito
Nasci com esse defeito
No coração

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8. Lágrima (Sebastião Nunes, José Garcia e José Gomes Filho) / Calúnia (Marino Pinto e Paulo Soledad)
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Quando você foi embora
Meu coração não parou
Sei que você hoje chora
Porque não tem mais o meu amor
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Quando você foi embora
Meu coração não parou
Sei que você hoje chora
Porque não tem mais o meu amor
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Quando você foi embora
Meu coração não parou
Sei que você hoje chora
Porque não tem mais o meu amor
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Nenhuma lágrima
Derramei com você
Quiseste ofuscar minha fama
E até jogar-me na lama
Só porque eu vivo a brilhar
Sim,mostraste ser invejoso
Viraste até mentiroso
Só para caluniar.
Deixa a calúnia de lado
Se de fato és poeta
Deixa a calúnia de lado
Que ela a mim não afeta
Tu me ofendes,tu serás o ofendido
Pois quem com o ferro fere
Com ferro será ferido.

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9. Carta de Amor (Paulo César Pinheiro) Textos de Maria Bethânia
Não mexe comigo
que eu não ando só
eu não ando só
que eu não ando só
Não mexe não
Não mexe comigo
que eu não ando só
eu não ando só
que eu não ando só
Tenho zumbi, besouro, chefe dos tupis. Sou tupinambá. Tenho os erês, caboclo boiadeiro, mãos de cura, morubixabas, cocares, arco-íris, zarabatanas, curare, flechas e altares. A velocidade da luz no escuro da mata escura, o breu, silêncio, a espera… Eu tenho Jesus, Maria e José, Todos os pajés na minha companhia. O menino Deus me contou.
Não misturo, nao me dobro. A rainha do mar anda de mãos dadas comigo. Ensina o baile das ondas e canta, canta, canta pra mim. É do ouro de Oxum que é feita a armadura que guarda meu corpo, garante meu sangue e minha garganta. O veneno do mal não acha passagem. No meu coração Maria acende sua luz e me aponta o caminho.
Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã. Giro o mundo, viro, reviro. To no reconcavo, quem fez. Voo entre as estrelas, brinco de ser uma. Traço o Cruzeiro do Sul com a tocha da fogueira de João menino. Rezo com as 3 Marias. Vou além. Me recolho no esplendor das nebulosas, descanso nos vales, montanhas. Durmo na forja de algum. Mergulho no calor da lava dos vulcões, corpo vivo da alma de Xangô.
Não ando no breu…
Nem ando na treva…
É por onde eu vou
que o santo me leva
Não ando no breu…
Nem ando na treva…
É por onde eu vou
que o santo me leva
Medo não me alcança, no deserto me acho. Faço cobra morder o rabo, escorpião virar pirilampo. Meus pés recebem bálsamos: Unguentos suave das mãos de Maria, irmã de Marta e Lázaro, No oásis de Bethânia. Pensou que ando só? Atente ao tempo. Não começa nem termina, é sempre. É tempo de reparar na balança de nobre cobre que o rei equilibra. Fulmina-me justo. Deixa nua a justica
Eu não provo do teu fel
Eu não piso no teu chão
E pra onde você for
Não leva meu nome não
E pra onde você for
Não leva meu nome não
Eu não provo do teu fel
Eu não piso no teu chão
Pra onde você for
Não leva meu nome não
E pra onde você for
Não leva meu nome não
Onde vai valente? Você secou. Seus olhos insones secaram. Não veem brotar a relva que cresce livre e verde, livre da tua cegueira. Seus ouvidos se fecharam a qualquer música, a qualquer som. Nem o bem nem o mal pensam em ti. Ninguem te escolhe. Você pisa na terra e apenas nao a sente, apenas pisa. Apenas vaga sobre o planeta. E já nem ouve as teclas do teu piano. Você está tão mirrado que nem o diabo te ambiciona. Não tem alma. Você é o oco do oco do oco do sem-fim do mundo.
O que é teu já tá guardado
Não sou eu que vou lhe dar,
não sou eu que vou lhe dar,
não sou eu que vou lhe dar.
O que é teu já tá guardado
Não sou eu que vou lhe dar,
não sou eu que vou lhe dar,
não sou eu…
Eu posso engolir você, só pra cuspir depois. Minha fome é matéria que você não alcança. Desde o leite do peito da minha mãe até o sem-fim dos versos, versos, versos, que brotam no poeta em toda poesia sob a luz da lua que deita na palma da inspiração de Caymmi. Se choro, quando choro, minha lágrima cai é pra regar o capim que alimenta a vida. Chorando eu refaço as nascentes que você secou. Se desejo, o meu desejo faz subir marés de sal e sortilégio.
Vivo de cara pro vento, na chuva. E quero me molhar. O terço de fátima e o cordão de Ghandi cruzam meu peito: sou como a haste fina, que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.
Não mexe comigo
que eu não ando só
eu não ando só
que eu não ando só
Não mexe não
Não mexe comigo
que eu não ando só
eu não ando só
que eu não ando só
Não mexe comigo…

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10. Salmo (Raphael Rabello e Paulo César Pinheiro)
Vida
Oh! Bela, oh! terna, oh! santa
Vida
É breve, é grande, é tanta
Vida
Ai, de quem não te canta, oh vida…
Diante da vida delirante
Ai, de quem, vacilante,
Repousa e não ousa viver…
Deve passar toda existência
Entre o medo e a ansiedade
Não quero ter calmaria
Eu quero ser tempestade
Eu quero ser ventania
Eu quero andar pela cidade
Me embriagando de poesia
Bebendo a claridade
Da luz do dia.
Diante da vida comovente
Ai de quem, tão somente,
Reclama e não ama viver…
Deve ter feito dentro d’alma
Um vasto mar de amargura
Não quero ter agonia
Eu quero sim, a locura
O fogo da fantasia
Um precipício de aventura
A vida vindo como orgia
No ofício da procura
De todo dia.
Diante do espelho dos seus olhos, ai, de quem não se vê
(Não vê seu destino)
Eu quero ver meu desatino frente a frente e poder dizer:
- Você é quem sempre me dá prazer.
Entre você e a calma eu quero ser você, ai!…
Diante do abismo do mistério, ai, de quem se esconder
(Não vai saber)
Eu quero o salto pra vertigem de mim mesmo e poder dizer:
- Eu era o caos e o caos eu quero.
Eu quero o nada, o germe, eu quero a origem de tanto querer, ai!
Diante da vida que é sublime
Ai, de quem se reprime,
Se ausenta e nem tenta viver…
Deve ficar olhando o mundo
E lamentando sozinho.
Não quero ter letargia
Eu quero ser rodamoinho
Eu quero ser travessia
Eu quero abrir o meu caminho
Ser minha própria estrela-guia
Virar um passarinho
Cantando a vida assim
Cantando além de mim
E além de além do fim.

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quinta-feira, 22 de março de 2012

Senhora das Tempestades





Senhora das tempestades e dos mistérios originais
Quando tu chegas, a terra treme do lado esquerdo
Trazes a assombração
As conjunções fatais
E as vozes negras da noite
Senhora do meu espanto e do meu medo
Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento
Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
Há uma lua do avesso quando chegas
Há um poema escrito em página nenhuma
Quando caminhas sobre as águas
Senhora dos sete mares
Conjugação de fogo e luz
E no entanto eclipse
Trazes a linha magnética da minha vida
Senhora da minha morte
Quando tu chegas, começa a música
Senhora dos cabelos de alga
Onde se escondem as divindades
Trazes o mar, a chuva, as procelas
Batem as sílabas da noite
Batem os sons, os signos, os sinais
E és tu a voz que dita
Trazes a festa e a despedida
Senhora dos instantes com tua rosa dos ventos
E teu cruzeiro do sul
Senhora dos navegantes
Com teu astrolábio e tua errância
Tudo em ti é partida
Tudo em ti é distância
Tudo em ti é retorno
Senhora do vento
Com teu cavalo cor de acaso
Teu chicote, tua ternura
Sobre a tristeza e a agonia
Galopas no meu sangue com teu cateter chamado
Pégaso
Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
Senhoraa das tempestades e dos líquidos caminhos
Quando tu chegas, dançam as divindades
E tudo é uma alquimia
Tudo em ti é milagre
Senhora da energia 


quinta-feira, 8 de março de 2012

Rita Ribeiro, Há Mulheres



Dia internacional da Mulher...que seria de nós sem elas, cantoras, mães, amores, chefes, secretárias do lar, donas de casa, trabalhadoras,lindas e fascinantes, sofrendo na África ou com suas belas e equipadas cozinhas nos Estados Unidos, sonhando com dias melhores para seus filhos no interior do Brasil ....minha homenagem com essa linda 
música!




terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Palestra de José Miguel Wisnik – Clarice Lispector






O vídeo abaixo traz, na íntegra, a conferência de José Miguel Wisnik sobre Clarice Lispector realizada no dia 10 de dezembro de 2011, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. Nesse dia, comemorou-se a data de nascimento da escritora (1920-1977) em uma série de eventos intitulada Hora de Clarice. Ao lado de outras várias instituições, o IMS também prestou sua homenagem na ocasião. Wisnik é ensaísta, professor de literatura brasileira na USP e compositor e falou no IMS sobre importantes obras da escritora, como Laços de família, A legião estrangeira e A hora da estrela.

Veja o vídeo no link: http://blogdoims.uol.com.br/ims/palestra-de-jose-miguel-wisnik-clarice-lispector/

sábado, 7 de janeiro de 2012

VIRGINIA WOOLF: A MEDIDA DA VIDA



Guiado pelos escritos deixados por Virginia Woolf (principalmente seus diários e cartas), Herbert Marder compôs uma alentada biografia da autora, em dezoito capítulos. O livro concentra-se nos últimos dez anos de vida de Virginia Woolf, até seu suicídio, em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar de fundamentada numa ampla pesquisa histórica e documental, a narrativa de Herbert Marder é clara e fluente.

A obra destaca a participação da escritora nos acontecimentos políticos da época, sua revolta contra a discriminação das mulheres e a interação com os amigos que formavam o chamado Círculo de Bloomsbury (escritores e intelectuais que se reuniam na casa de Virginia Woolf no bairro londrino de Bloomsbury, como o poeta T. S. Eliot, o crítico de arte Roger Fry e o economista Maynard Keynes).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Gay friendly B&B - Rio de Janeiro





Private room with attached bathroom and studio, neo-colonial home in the charming neighborhood of Santa Teresa, Rio de Janeiro. House built in 1890, completely renovated. I live with my husband. Place very well located, close to downtown, 10 minutes from Santos Dumont airport, easy access to the beaches of Copacabana, Ipanema and Leblon. 
Included breakfast and wi-fi. 
The room has Queen super comfortable bed, two windows offering a beautiful view of the city, and nice lighting and ventilation and curtains. 
The studio has table and lamp for studying and working, bookcase with books and DVDs and access to wi-fi. 
The kitchen is fully equipped and can be used at will. 
The living room has cozy armchairs and LCD TV 40 "with access to Fox, CNN, BBC, etc.



The district of Santa Teresa started next to a convent on Morro do Desterro, Rio de Janeiro, in the 18th century.
Located high on a hill, surrounded by other hills like the one featuring the
famous Christ's statue, bordering the biggest urban forest of the world, the area enjoys cooler, fresher air than most of Rio, and it offers an oasis of peace and quiet just inside Rio.
Set on a hillside in the center of the city, it seems to have stopped in time maintaining, as it has for decades, preserved features of Old Rio and a bit of history in each corner.
Writers and artists have always been seduced by the district’s call to internal life and to its architectural and cultural treasures, visible to the eye and cherished by the heart. A symbol of counterculture and of the art shown in its many studios and ateliers, any artistic expression finds its home in Santa, as its admirers prefer to call it. Everything that exists in Santa Teresa and that is known about it is also part of the history of Rio. To the visitor, however, it seems like a place apart with its own characteristics.
The narrow and winding streets with the old tramcars, the last to be found in the whole of Brazil, are one more singular attraction. The charming vehicles, which date from the 19th century, were moved by animal traction at first and later by electricity. Survivors of romantic times, they are now protected as historical heritage and still go along perfectly preserved tracks taking visitors to a re-reading of the past.
Better still, all this tranquility is 5 minutes from Lapa, the bohemian neighborhood of Rio de Janeiro.



Make your reservation on the link - http://pt.airbnb.com/rooms/257682


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Desejos


Aos amigos de verdade...


Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim

Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não Ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

99 anos do Rei do Baião




Há 99 anos, neste mesmo dia, nascia no pequeno município de Exu, interior de Pernambuco, um dos maiores artistas que o País já produziu. Filho de Januário com a cabocla Santana, Luiz Gonzaga Nascimento foi responsável não apenas por redesenhar o gênero do forró, mas por fortalecer de maneira decisiva sua difusão para além das fronteiras do Nordeste.


Maior responsável pela divulgação da música nordestina no resto do Brasil, Luiz Gonzaga nasceu na Fazenda Caiçara, em Exu (PE). Filho de um lavrador e sanfoneiro, desde criança se interessou pela sanfona de oito baixos do pai, a quem ajudava tocando zabumba e cantando em festas religiosas e forrós. Saiu de casa em 1930 para servir o exército como voluntário. Viajou pelo Brasil como corneteiro, tendo baixa em 1939. Resolveu ficar no Rio de Janeiro, com uma sanfona recém-comprada. Passa então a se apresentar em ruas, bares e mangues, tocando boleros, valsas, canções, tangos. Por essa época percebe a carência que os migrantes nordestinos têm de ouvir sua própria música, e passa a tocar, com grande sucesso, xaxados, baiões, chamegos e cocos. Foi no programa de calouros de Ary Barroso e tocou seu chamego "Vira e Mexe", com grande aprovação do público e do temível apresentador, que lhe deu nota máxima. Depois de descobrir esse filão no mercado, Gonzagão começa a freqüentar programas de rádio - substituindo inclusive seu ídolo Antenógenes Silva - e a gravar discos, sempre com repertório de músicas nordestinas. Mais tarde passa a cantar também, e não apenas tocar sua sanfona, além de mostrar seu talento como compositor. Em 1943 apresenta-se vestido a caráter como nordestino, com bastante êxito. Seu maior sucesso, "Asa Branca" (com Humberto Teixeira), foi gravado em 1947 e regravado inúmeras vezes por diversos artistas até hoje. Trabalhou na Rádio Nacional e até cerca de 1954 teve seu auge de popularidade, um sucesso avassalador que lançou a moda do baião e do acordeom, além de obrigar todas as prensas de sua gravadora, a RCA, a trabalhar para atender aos pedidos de seus discos. Depois disso, com a ascensão da bossa nova, se afastou um pouco dos palcos dos grandes centros e passou a se apresentar em cidades do interior, onde sempre continuou extremamente popular. Nos anos 70 e 80 foi voltando à cena, em muito graças às releituras de sua obra feitas por artistas como Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, seu filho Gonzaguinha e Milton Nascimento. Algumas de suas músicas mais conhecidas são as parcerias com Zé Dantas: "Vozes da Seca", "Algodão", "A Dança da Moda", "ABC do Sertão", "Derramaro o Gai", "A Letra I", "Imbalança", "A Volta da Asa Branca", "Cintura Fina", "O Xote das Meninas"; ou com Humberto Teixeira: "Juazeiro", "Paraíba", "Mangaratiba", "Baião de Dois", "No Meu Pé de Serra", "Assum Preto", "Légua Tirana", "Qui Nem Jiló". Outras parcerias que tiveram êxito foram "Tá Bom Demais" (com Onildo de Almeida), Danado de Bom" (com João Silva), "Dezessete e Setecentos" e "Cortando o Pano" (ambas com Miguel Lima).



É isto um homem?






Primo Levi, 1919-1987, judeu italiano foi um dos poucos sobreviventes de Auschwitz, o campo de concentração onde milhões de prisioneiros, judeus como ele, foram assassinados pelos nazistas. Sobreviveu para regressar a Turim, sua cidade-natal, e escrever um dos mais extraordinários e comoventes testemunhos dos campos de extermínio nazista.
Dedicou o resto da sua vida à procura incessante da resposta para a pergunta essencial de Auschwitz: “O que é um homem?"

Em ‘Isto é um homem?’, Levi descreve sua vida e a de todos os judeus que, após chegarem vivos até Auschwitz e sobreviver à primeira seleção, ficam trabalhando – e morrendo – nos campos de trabalho de Auschwitz-III-Monowitz e Birkenau.
O campo de Auschwitz-III-Monowitz, para onde ele foi despachado, também chamado de Buna-Monovitze ou de Buna, era um gigantesco complexo químico construído pela empresa IG-Farben. Todos os 15 mil prisioneiros do campo trabalhavam em regime de escravidão na instalação de uma fábrica de borracha sintética.

Levi viveu em Buna durante um ano, período em que morreram quatro quintos de seus companheiros, substituídos imediatamente por outros novos prisioneiros também destinados a morrer rapidamente. É de importância primordial para Primo Levi que o leitor entenda o processo usado pelos algozes alemães para “aniquilar um homem, transformá-lo em nada, em um número marcado na carne”.

Fazemos nossas as suas palavras: “Então, pela primeira vez, percebemos que à nossa língua faltam palavras para expressar esta ofensa: a demolição de um homem. Num instante, com intuição quase profética, a realidade nos é revelada. Chegamos ao fundo... Nada mais é nosso: tiraram-nos as roupas, os sapatos, até os cabelos; se falarmos não nos ouvirão e, se nos ouvirem, não entenderão... roubaram também nossos nomes e se quisermos manter-nos teremos que encontrar dentro de nós a força para tanto, para que, além do nome, sobre alguma coisa do que éramos”.

O primeiro alerta sobre como conseguir manter a humanidade dentro do Lager vem de um dos prisioneiros, um ex-sargento do exército austro-húngaro, que avisa Levi: “Campo é uma grande engrenagem para nos transformar em animais. Mas não devemos nos transformar em animais; até num lugar como este pode-se sobreviver para relatar a verdade, dar nosso depoi-mento. Destinados a uma morte quase certa, resta-nos uma única opção, que devemos defender a qualquer custo, justamente porque é a última: a de não permitir que nos façam virar um ‘nada’”. 

Levi compara Auschwitz ao inferno retratado por Dante em sua obra “A Divina Comédia”. Em apenas duas linhas consegue descrever a vida nesse inferno: “Todos os dias, segundo o ritmo pré-estabelecido, Ausrücken ed Einrücken, sair e regressar; trabalhar, dormir e comer; adoecer, restabelecer-se ou morrer”. 

Relata os detalhes do “cotidiano”: a impiedosa luta pela sobrevivência, as “seleções” feitas pelos nazistas dos prisioneiros destinados à exterminação, a fome insaciável, o trabalho desumano, a violência dos guardas, o frio e a imundície, as doenças físicas e mentais, as humilhações, a apatia que os derrotava... Acima de tudo, a necessidade de se adaptar ao inferno, onde tudo é proibido pela única razão de ser proibido. “A nossa sabedoria era não procurar entender, não premeditar o futuro, não nos atormentarmos acerca de como e de quando tudo acabaria, não fazer perguntas aos outros nem a nós mesmos”. 

Primo Levi não se limita a deixar que os fatos falem por si sós. Ele os comenta. Enquanto escreve, tenta ele mesmo compreender a “lógica” por trás da barbárie nazista; e como a vida no Lager ia transformando, ou melhor, “deformando”, física e mentalmente, aqueles que conseguiam sobreviver. Estuda, com passiva aflição, o que resta de humano em quem é submetido à prova terrível de perder tudo que o identifica como tal. Em suas páginas lembra tanto dos que não agüentaram, sucumbindo perante o mal absoluto, como dos que sobreviveram, conseguindo manter sua humanidade.

Em janeiro de 1945, pressionados pelo avanço do exército russo, os alemães abandonam o campo levando consigo, a pé, no inverno polonês, os prisioneiros sadios. A maioria morreu durante a chamada “Marcha da Morte”. Mais uma vez a sorte fica ao lado de Primo Levi que, doente, com escarlatina, é abandonado na enfermaria do Lager com outros 800 prisioneiros doentes, mais de 700 dos quais acabam morrendo. Levi é um dos poucos que sobreviveu ao campo de extermínio do qual não estava previsto que alguém sobrevivesse.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Recanto Escuro - Gal Costa






Recanto Escuro

Eu venho de um recanto escuro
O sol, luz perpendicular
Do outro lado azul do muro
Não vou saltar
Eu chego às portas da cidade

E nada procuro fazer
Espero, nem feliz nem gaia
Acontecer

Não salto mas sou carregada

Por asas que a gente não tem
A luz não me fulmina os olhos
Nem vejo bem

Em breve só saio de noite

A lua não me rasga o peito
Cool jazz me faz feliz e só
Não tenho jeito

O álcool só me faz chorar

Convidam-me a mudar o mundo
É fácil: nem tem que pensar
Nem ver o fundo

O chão da prisão militar

Meu coração um fogareiro
Foi só fazer pose e cantar
Presa ao dinheiro

Mas é sempre o recanto escuro

Só Deus sabe o duro que eu dei
Mulher, aos prazeres, futuro
Eu me guardei

Coisas sagradas permanecem

Nem o Demo as pode abalar
Espírito é o que enfim resulta
De corpo, alma, feitos: cantar 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Recanto Gal - O melhor disco de 2011



Como manter a relevância musical num mercado onde o novo fica velho em pouco tempo? Como fazer um disco moderno, ousado e com toques vanguardistas para os padrões atuais, mesmo que o artista responsável por ele tenha uma carreira com mais de 40 anos? Gal Costa pode não ter todas essas respostas, mas "Recanto", seu trigésimo álbum de estúdio que será lançado no dia 6 de dezembro, fala por si só.


Idealizado, produzido e concretizado por Caetano Veloso, que compôs todas as canções, e com a ajuda de seu filho Moreno Veloso e do produtor Kassin – além da colaboração das bandas Rabotnik e Duplexx, "Recanto" é basicamente um trabalho de música eletrônica com a voz de Gal. Mas sua sonoridade não apresenta uma eletrônica fácil e certamente é algo nunca visto antes na carreira da cantora.


"É bastante ousado. Já fiz coisas tão ousadas quanto, especialmente no início da minha carreira. O disco é uma extensão do Tropicalismo”, afirmou Gal Costa em coletiva de imprensa na tarde desta quarta-feira (30) em São Paulo. “A ousadia da produção está no nosso DNA. O trabalho tem uma carga de agressividade estética e temática, que é de ponta”, complementou Caetano Veloso sobre "Recanto".
A ideia de criar um álbum de música eletrônica não surgiu da noite para o dia nos pensamentos de Caetano. “De vez em quando isso vinha na minha cabeça. Quanto mais eu pensava, mais eu via tudo na voz da Gal. Depois de assistir a um show dela em Lisboa, tive certeza que seria um disco da Gal com bases eletrônicas”. Já acostumada a interpretar canções de Caetano ao longo de sua carreira, Gal Costa não poupou elogios ao compositor. "Cantar só músicas dele é um prazer indescritível. Caetano tem a capacidade de fazer as coisas muito redondas para mim e pro meu canto. É um compositor que sabe escrever para a minha voz", afirmou.


Ela nega que “Recanto” tenha se inspirado em novas cantoras da MPB como Céu e Tulipa Ruiz. "Acho que é o contrário. Faço isso já há 40 anos", disse, rindo. Por outro lado, Caetano não quis esconder que a nova MPB "estimulou" suas composições e sua roupagem mais moderna. "[As novas cantoras] são exemplos auspiciosos".


Mas, se Caetano é responsável pela produção e composição das canções - além da ideia que envolve todo o projeto -, por que não assinar o trabalho ao lado de Gal? "Basta que esteja escrito 'todas as canções por Caetano Veloso'. É um disco da cantora, da pessoa que está ali botando a cara e a voz", explicou, citando como exemplo o álbum "IRM", de Charlotte Gainsbourg, cujas músicas foram feitas por Beck, que também produziu o trabalho.
A ousadia do novo trabalho não está só nas batidas eletrônicas, mas também nas letras, como é o caso da ótima “Autotune autoerótico”, em que a voz de Gal é artificialmente regulada para acompanhar o texto dos versos, além de faixas como “Neguinho”, “Recanto escuro” e “Miami maculelê” - esta uma homenagem ao funk carioca e entre as mais surpreendentes de “Recanto”. “Queria que as canções não fossem recatadas. Não evitassem ideias difíceis, nem palavras pesadas ou sons desagradáveis. Eu sabia que o ‘cool’ da voz da Gal poderia conviver com segurança e autoridade em meio a tudo isso”.
Entre os 11 temas, tanto Gal quanto Caetano concordam que “Tudo dói” é a canção mais representativa de “Recanto”. "Acho que ela sintetiza de uma forma totalmente diferente o disco e a bossa nova. Ela tem a estranheza, a irreverência, a beleza e a sonoridade ideias. Algo que, pra mim, é uma coisa maravilhosa", finaliza a cantora.
Traduzindo a sonoridade ao vivo
Com direção de Caetano Veloso, o show de "Recanto" terá uma Gal Costa acompanhada de forma econômica nos palcos. "A ideia é fazer [as apresentações] com um trio e com elementos eletrônicos, com alguém que saiba operar os sons pra complementar. Vai ser um prolongamento do disco com outras canções", explica Gal, que diz que sucessos como "Meu nome é Gal" e "Vapor barato" não ficarão de fora.









Cinco canções do aguardado ‘Recanto’ já podem ser conferidas na Rádio UOL!

http://www.radio.uol.com.br/#/volume/gal-costa/recanto/25110

• Recanto Escuro
• Cara Do Mundo
• Autotune Auterótico
• Neguinho
• Mansidão


Abaixo o remis de Neguinho:


Fonte: Notas Musicais , Mauro Ferreira